quarta-feira, 2 de novembro de 2022

carta

Postado por Bianca Barion às 22:31 0 comentários

eu gostaria de fazer isso de uma maneira mais secreta 

como um enigma compartilhado entre nós que ninguém descobrisse 

mas ultimamente eu percebo que a ramificação familiar construída de vocês

tem frutos em tantas partes 

que tudo isso não é só sobre eu

ou só sobre vocês

mas de uma conexão que aos poucos é conquistada 

do nível mais alto, com aqueles que ainda pisam nessa terra

eu sempre quis pertencer a algo e eu não sabia o que era isso

se seria a uma comunidade, a um ideal compartilhado, um processo de auto conhecimento, sensações, momentos

mas o pertencer vem do vínculo 

quando olho por uma foto tirada há 11 anos disposta em um mapa virtual

uma estrada coberta com neblina

de onde alguém te enviou uma foto

e que ali escreveram em italiano

tudo isso datado antes dos meus pais se conhecerem

de eu não passar de uma concepção, um objetivo que talvez eles fariam acontecer

e eu, agora, tenho em minha gaveta um diploma de italiano

porque queria honrar alguém, mesmo que nem fotos eu possuía dessas pessoas

estimo meu nome, porque me descreve

e meus sobrenomes 

porque têm história

de uma parte localizado na península ibérica, fronteira com a espanha

de um casal que desembarcou no porto de santos

e que eram eles? os sonhos, as crenças

as dores 

e aqueles que vieram antes, com dois anos de idade carregando em si o fruto inicial do sonho de alguém que nunca chegou a conhecer

mas que permitiu que a pessoa mais gentil do mundo existisse, minha avó

e que os poucos anos que convivi com ela 

entre idas a centros budistas

a cortina de plástico que separava a garagem da cozinha

a foto que tirei no meio da calçada ao lado dela e que nunca mais tive a sorte de ver

do meu vestido laranja em frente ao seu corpo frio, mas que horas depois, sua filha, apareceu em meus sonhos, segurando fotos que eu não conseguia enxergar 

e afirmou que estava em um lugar bom

mesmo que eu desse tudo para que ela ainda estivesse aqui

eu sei que ela não mentiu

ela sempre foi a transmissão da paz e da verdade

e então, eu, uma criança de 13 anos quis aprender italiano

em um site que nem existe mais

livemocha

lembro de pedir o cartão do seu neto emprestado para ter acesso ao conteúdo 

de final de semana eu acordava às 8 da manhã para estudar as palavras

eu gostava desse horário porque o sol dourado queimava em cima de minha mesa de madeira

e eu imaginava que o sol da Itália era algo parecido 

oito horas, itália, sol dourado

depois eu descobri que nasci às oito da manhã

talvez por isso eu gostasse tanto do horário

eu cresci com muitas dores

e vontades enormes de desistir de uma vida que nem se quer tinha começado 

uma garota sempre de moletom para cobrir os machucados os braços

essa era eu

o sol das oito foi substituído pelo escuro das três da manhã 

eu não sei

realmente não sei

o que levou a adoração ao italiano, aos livros

a cultura, à pronuncia 

e como o destino nunca errou, mesmo antes eu tendo certeza que ele havia

obrigada por deixar um legado e o começo de um sentido

para sua pronipote

e aos meus avôs, o amor e a certeza que ainda irei pisar na freguesia do concelho de Celorico

levando as lágrimas doces e frias de tristeza

da saudade

à minha avó, sua filha, que eu gostaria que estivesse aqui para conversar sobre isso

e ela pudesse repartir um pouco de sua história


a todos que formaram a minha alma 

meu coração está com vocês hoje e sempre


amo vocês. 


 

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