eu gostaria de fazer isso de uma maneira mais secreta
como um enigma compartilhado entre nós que ninguém descobrisse
mas ultimamente eu percebo que a ramificação familiar construída de vocês
tem frutos em tantas partes
que tudo isso não é só sobre eu
ou só sobre vocês
mas de uma conexão que aos poucos é conquistada
do nível mais alto, com aqueles que ainda pisam nessa terra
eu sempre quis pertencer a algo e eu não sabia o que era isso
se seria a uma comunidade, a um ideal compartilhado, um processo de auto conhecimento, sensações, momentos
mas o pertencer vem do vínculo
quando olho por uma foto tirada há 11 anos disposta em um mapa virtual
uma estrada coberta com neblina
de onde alguém te enviou uma foto
e que ali escreveram em italiano
tudo isso datado antes dos meus pais se conhecerem
de eu não passar de uma concepção, um objetivo que talvez eles fariam acontecer
e eu, agora, tenho em minha gaveta um diploma de italiano
porque queria honrar alguém, mesmo que nem fotos eu possuía dessas pessoas
estimo meu nome, porque me descreve
e meus sobrenomes
porque têm história
de uma parte localizado na península ibérica, fronteira com a espanha
de um casal que desembarcou no porto de santos
e que eram eles? os sonhos, as crenças
as dores
e aqueles que vieram antes, com dois anos de idade carregando em si o fruto inicial do sonho de alguém que nunca chegou a conhecer
mas que permitiu que a pessoa mais gentil do mundo existisse, minha avó
e que os poucos anos que convivi com ela
entre idas a centros budistas
a cortina de plástico que separava a garagem da cozinha
a foto que tirei no meio da calçada ao lado dela e que nunca mais tive a sorte de ver
do meu vestido laranja em frente ao seu corpo frio, mas que horas depois, sua filha, apareceu em meus sonhos, segurando fotos que eu não conseguia enxergar
e afirmou que estava em um lugar bom
mesmo que eu desse tudo para que ela ainda estivesse aqui
eu sei que ela não mentiu
ela sempre foi a transmissão da paz e da verdade
e então, eu, uma criança de 13 anos quis aprender italiano
em um site que nem existe mais
livemocha
lembro de pedir o cartão do seu neto emprestado para ter acesso ao conteúdo
de final de semana eu acordava às 8 da manhã para estudar as palavras
eu gostava desse horário porque o sol dourado queimava em cima de minha mesa de madeira
e eu imaginava que o sol da Itália era algo parecido
oito horas, itália, sol dourado
depois eu descobri que nasci às oito da manhã
talvez por isso eu gostasse tanto do horário
eu cresci com muitas dores
e vontades enormes de desistir de uma vida que nem se quer tinha começado
uma garota sempre de moletom para cobrir os machucados os braços
essa era eu
o sol das oito foi substituído pelo escuro das três da manhã
eu não sei
realmente não sei
o que levou a adoração ao italiano, aos livros
a cultura, à pronuncia
e como o destino nunca errou, mesmo antes eu tendo certeza que ele havia
obrigada por deixar um legado e o começo de um sentido
para sua pronipote
e aos meus avôs, o amor e a certeza que ainda irei pisar na freguesia do concelho de Celorico
levando as lágrimas doces e frias de tristeza
da saudade
à minha avó, sua filha, que eu gostaria que estivesse aqui para conversar sobre isso
e ela pudesse repartir um pouco de sua história
a todos que formaram a minha alma
meu coração está com vocês hoje e sempre
amo vocês.